Dossiê Cuidados-em-interação: práticas, saberes e reflexividade na saúde (v. 18, n. 2) abr./jun. 2024
Conceito indissociável à comunicação, a interação é parte constitutiva do ato comunicativo. O campo dos estudos interacionais da comunicação humana, embora amplo e orientado por abordagens distintas, tem o desafio analítico comum de observar a coconstrução dos enunciados e dos seus valores acionais no ambiente microecológico em que ocorrem, o que implica olhar emicamente, ou seja, a partir de dentro, e considerar os processos reflexivos das pessoas participantes daquela interação comunicacional humana (Rodrigues, 2021).
Este dossiê, cujo título mobiliza o conceito de cuidado-em-interação, aborda os cuidados em saúde numa perspectiva interacionista (Ostermann; Meneghel, 2012), com particular interesse por pesquisas de enfoque multimodal, capazes de articular, num trabalho descritivo finamente detalhado, os estudos da fala e do corpo (Mondada, 2018).
A expressão cuidado-em-interação é gerada por uma matriz usual em Análise da Conversa Etnometodológica (ACE) (Loder; Jung, 2008), corrente investigativa oriunda da sociologia norte-americana, derivada da Etnometodologia de Harold Garfinkel, que tem sido acolhida mundialmente em múltiplas áreas disciplinares (Watson; Gastaldo, 2015); e que nos últimos dez anos traz como objeto de estudo a-fala-e-o-corpo-em-interação.
Guiadas pelos dados (Data driven), as análises podem mobilizar e articular outras correntes teóricas, que incidem sobre uma multiplicidade de objetos e de fenômenos: a polifonia e o dialogismo bakhtiniano; a análise austiniana dos atos de linguagem; o face work goffmaniano e a polidez; as pistas de contextualização de natureza prosódica; as justificações e a teoria da argumentação na língua; etc.
Os estudos sobre os cuidados-em-interação, na perspectiva da análise da conversa etnometodológica, abrem-se a uma gama de investigações acerca das interações em ambientes diversos e que se utilizam de recursos variados. Como nos aponta Harvey Sacks em seu clássico estudo de conversas telefônicas gravadas por um centro de prevenção ao suicídio nos Estados Unidos da América, e, portanto, mediadas por um dispositivo tecnológico de comunicação a distância, as pesquisas cujo material coletado não contempla todos os recursos multimodais disponíveis nas interações presenciais trazem desafios que reforçam o grande potencial analítico da atitude de olhar para dentro, considerando os dispositivos naturais e os dispositivos artificiais de mediação ao mundo.
Duas perguntas iniciais instigaram este dossiê: a) Como a interatividade está sendo operada em diferentes ambientes e cenas, sobretudo com relação a temas da saúde? b) De que formas as abordagens microanalíticas dos estudos sobre as interações podem contribuir para a compreensão dos processos sociais?
Incentivamos as contribuições de autoras/es das diversas áreas das ciências sociais, humanas e da saúde – com particular ênfase às áreas dos estudos da comunicação, da linguagem, da antropologia, do serviço social e da sociologia – para subeixos temáticos tais como:
- Assimetrias epistêmicas, cognição situada, intercompreensão e emoções-em-interação;
- Estudos microanalíticos dos quadros conversacionais da intervenção social e sanitária;
- Interações em regime de telepresença, mediatizadas por computadores multimodais (microfone, alto-falante, webcam e tela);
- Quadros interacionais das práticas de coinvestigação e autoconfronto na formação de profissionais da saúde e do social;
- Participação de cidadãos em dispositivos de coanálise das práticas de serviço e de atendimento (ciência cidadã);
- Interações atípicas em suas dimensões interdisciplinares dos estudos sociais da deficiência.
Editores convidados: Marcia Rodrigues Lisboa (Fundação Oswaldo Cruz – Laboratório de Fenomenologia, Etnometodologia e Análise Conversacional da Clusividade Social – Lab-FEACC_CLISSIS) e Michel Binet (Universidade Lusíada – Laboratório de Fenomenologia, Etnometodologia e Análise Conversacional da Clusividade Social – Lab-FEACC_CLISSIS)
Prazo de submissão: até 20 de fevereiro de 2024.
Estimativa de publicação: v. 18, n. 2, abril/junho de 2024.
Ao submeter o trabalho, por favor, use a categoria Dossiê Cuidados-em-interação: práticas, saberes e reflexividade na saúde.
Referências
LODER, Letícia Ludwig; JUNG, Neiva Maria (orgs). Fala-em-interação social: introdução à análise da conversa etnometodológica. Campinas: Mercado de Letras, 2008.
MONDADA, Lorenza. Multiple temporalities of language and body in interaction: challenges for transcribing multimodality. Research on Language and Social Interaction, Estados Unidos, v. 51, n. 1, p. 85-106, 2018. DOI: https://doi.org/10.1080/08351813.2018.1413878. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/08351813.2018.1413878, Acesso em: 25 out. 2023.
OSTERMANN, Ana Cristina; MENEGHEL, Stela Nazareth (orgs). Humanização Gênero Poder: contribuições dos estudos de fala-em-interação para a atenção à saúde. Campinas: Mercado de Letras; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.
RODRIGUES, Adriano Duarte. A natureza da atividade comunicativa. Lisboa: Lisbon Press, 2021.
WATSON, Rod; GASTALDO, Édison. Etnometodologia e análise da conversa. Petrópolis: Vozes: PUC-Rio, 2015.
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